sexta-feira, 21 de agosto de 2020

 

você pendura suas agulhas em árvores de natal

e me ensina como lamber sua seiva antes de

matarmos mais uma flor

você me conhece porque eu sou uma poeta

e sabe que as palavras são meu brinquedo

sexual

quando fico tempo demais sozinha

eu escrevo poemas para afastar fantasmas

mas esta noite

eles não podem

colocar os braços ao meu redor

quem tem medo de morrer? III

 

esta casa me protege de uma infecção

esta casa é minha imunidade

esta casa não sai da minha boca

não passa pela sua língua

esta casa nos une?

esta casa percorre minhas veias

esta casca é minha solidão

este poema é minha sanidade

este poema me deixa rouca

este poema é minha terceira perna

este poema retira minha casca

este poema é minha casa.

quem tem medo de morrer?

quem tem medo de morrer?

no dia dos meus 29 anos

não ser mais jovem

deixar para o passado temores

não ter mais medo de morrer

envelhecer, passar vergonha

 

passar

todas as vergonhas

não sucumbir aos fantasmas

e vãs tentativas de ser inesquecível

viver somente os dias que ainda ousarem me

encontrar

manter comigo as linhas do meu corpo todas

juntas formando meu passado

que os jovens ignorarão

não precisar mais conquistar país nenhum

não precisar chegar

 

terei vivido

e isto é

o onde o quando e como.

existe um pássaro


você o colocou na janela e disse "estou te deixando livre para se você quiser voar" 
mas de vez em quando deixava uns grãos de comida para que ele voltasse 
ele não conseguia perceber 
que poderia ter mais em outro ninho, 
em seu próprio ninho 
não percebia que poderia se alimentar sozinho. 
ele ainda tinha tanta fome 
mas ele pensa que é melhor isso do que nada
então ele volta
até que essa comida perde o gosto
até que sua fome não se sacia
até que ele aprende a não voltar
agora ele só voa em altitudes e profundidades 
das quais a janela não tinha

indecisão

Há muitos meses estou com seu livro emprestado

Quero ler logo para te devolver
Não ter nada seu
Não consigo ler pois me lembra seus dedos compridos cheios de veias
Que não vão embora

a educação sentimental

Escrevo sobre você fingindo que ainda te amo

Pois com o século XIX tive minhas primeiras lições de poesia
Por uma
ótica
Muito romântica demasiadamente tóxica

won kar wai

 eu lembro das suas mãos e sua voz rouca

que me arranham como unhas roídas em vestido de seda
ou quando eu penso nas ruas e estradas vazias dos filmes de won kar wai
habitadas por sentimentos sombrios cobertas de solidão.

todas as histórias de paixão nos alimentam como se um carro capotando e caindo num abismo fosse o mesmo de um grande amor.

concurso

e agora

para o depois

entregam aos poetas o cargo

de desenterrar o passado

lapidar essa massa disforme

do presente

e modelar um futuro do que não sabemos

como segurar em mãos

e agora

para o depois

o preço para tamanho esforço

não foi acertado muito bem

talvez um prato de comida hoje

e dois meses de alugueis pagos

por banqueiros & instituições & políticos

enquanto lutamos por entrar na lista

dos imaginadores do futuro

tirando do cu - como me disse uma amiga

um fio de cabelo da sanidade que nos resta

visitaremos os túmulos que não puderam ser tocados?

derrubaremos o presidente?

o depois será feito de toda a impossibilidade do agora

não há depois da guerra

sem dizer das ruínas desse presente


  você pendura suas agulhas em árvores de natal e me ensina como lamber sua seiva antes de matarmos mais uma flor você me conhece porq...